Carlos Alberto Duarte/GAPA-RS, Conselheiro Nacional de Saúde, traz uma reflexão que vale a pena conferir!
Mesmo
que já tenha ocorrido há um tempo, acho importante fazer uma breve
reflexão sobre a saída temporária do movimento Aids da CNAIDS –
Comissão Nacional de Aids e da CAMS – Comissão de Articulação com os
Movimentos Sociais.
A
politica de enfrentamento da Aids no Brasil foi, desde seu inicio,
considerada um exemplo de politica de Estado, de respeito aos princípios
do SUS da universalidade, igualdade, equidade, integralidade,
descentralização e controle social. A parceira governo/movimento social
marcou a construção desta política e algum dos espaços onde esta
parceria se efetiva foram estas comissões. É bom lembrar que
participação da comunidade na proposição e fiscalização das políticas
públicas de saúde não é ação de um governo, é uma determinação
constitucional de Estado.
A
CNAIDS, há 25 anos, é um reconhecido espaço de diálogo, conflitos,
contradições e articulações entre gestão e demais segmentos da sociedade
brasileira. A CAMS, espaço constituído há dez anos, tem um papel
diferente e até mesmo um reconhecimento diferente por parte do movimento
Aids. Independentemente de avaliações políticas sobre estes espaços,
eles têm sua importância no cenário de participação social e tem por
objetivo ampliar o diálogo entre o Departamento de DST/Aids e Hepatites
Virais e diversos segmentos da sociedade para discutir a Política de
Enfrentamento da Epidemia de DST/Aids e Hepatites Virais no Brasil.
No
momento em que estas comissões de governo deixam de cumprir com seu
objetivo para serem espaços de mera homologação e referendo de decisões
de governo, desrespeitando o principio constitucional da participação
popular e da democracia participativa, não existe mais razão para que o
movimento aids continue a se fazer representar nestes espaços. Primeiro o
movimento retirou-se da CNAIDS e, passado um mês, tomou a mesma decisão
em relação à CAMS. Não poderia haver decisão mais coerente, visto que
os dois espaços tem características bem semelhantes: comissões ligadas
diretamente à gestão e com caráter consultivo.
Os
fatos que levaram a esta decisão são de conhecimento de todos e foram
provocados pelo governo que, ao longo dos últimos anos, vem
desconsiderando a defesa dos Direitos Humanos, desrespeitando as
especificidades e diversidades das populações historicamente atingidas
pela Aids, principalmente as populações com histórico de exclusão
social, vítimas do preconceito, discriminação e estigma. As políticas
afirmativas deixaram de ter reconhecimento junto as políticas de saúde.
Por
mais que o Movimento Aids tenha externado sua posição de
descontentamento com os rumos da politica de AIDS no Brasil, tanto nas
ações de prevenção quanto nas ações de assistência, o departamento de
DST/AIDS e HV e o MS nada fizeram. As críticas que a sociedade civil fez
e refez ao longo dos últimos 10 anos foram sistematicamente ignorados
pelo MS e pelo Departamento.
Desta
forma é absolutamente legítimo e coerente que movimento social se
retire temporariamente destas comissões como estratégia de pressão
politica para que o diálogo em relação ao enfrentamento da Aids no
Brasil volte a ser pautado pelo respeito aos direitos humanos e aos
princípios do SUS.
Os
demais movimentos e entidades que compõe CNAIDS e a CAMS, como
articuladores da politica de Aids nas suas especificidades, são
parceiros fundamentais na construção da resposta brasileira a epidemia
de Aids. No entanto, a decisão destes parceiros em acompanhar ou não o
movimento Aids em seu afastamento temporário desta comissões, é uma
decisão independente, pautada por suas posições políticas. Assim suas
decisões podem ser questionadas, porém não deslegitimadas. Da mesma
forma, a decisão do movimento Aids legitima e coerente com sua historia e
seus princípios, não pode ser desconsiderada pelas entidades e
movimentos sociais parceiros, muito menos pelo governo.
Em
relação a participação no Conselho Nacional de Saúde, o movimento Aids
teve novamente uma posição coerente e na defesa do SUS. Este não é um
espaço de governo e sim de controle social sobre as ações de governo. Um
espaço com caráter deliberativo, de proposição de políticas públicas e
de fiscalização da execução destas políticas. Difere-se da CAMS e da
CNAIDS por ser um colegiado plural, representativo da sociedade, onde o
conflito e o contraditório se fazem presentes. Assim, romper o diálogo
com o governo é legitimo e necessário, mas com o coletivo da sociedade,
que é quem nos respalda e nos fortalece seria um afronta aos parceiros,
ao plural e ao contraditório. Portanto é legítimo continuarmos no CNS
para expressarmos nossa posição.
No
entanto, até mesmo este colegiado é desrespeitado pelo governo, quando o
mesmo não cumpre com o que é deliberado em relação à política de
DST/Aids e HV. A resolução 462/12 do CNS que decide sobre a Política de
Incentivo para as ações de saúde e sobre o financiamento desta ações
não foi homologado pelo Ministro da Saúde até a presente data. Da mesma
forma, as recomendações 26/12 e 04/13 que versam sobre a epidemia de
Aids e as campanhas de educação e informação em prevenção as DST/Aids
são simplesmente ignorados pelo governo.
Diálogo
e construção coletiva de politicas publicas sempre foram a marca do
enfrentamento da Aids no Brasil. Desconsiderar nosso passado e nossa
história é menosprezar a resposta coletiva gestão/sociedade Civil. Olhar
para o presente e futuro tendo o passado como exemplo é sabedoria. Não
nos furtamos ao diálogo e ao debate nas comissões da gestão e ampliamos
e provocamos o debate e o diálogo no CNS e na Comissão Intersetorial de
Acompanhamento da Política de AIDS, Hepatites Virais e Tuberculose
(CIADAIDS) do CNS. Porém diálogo implica necessariamente em pelo menos
duas partes predisposta a se ouvirem. Neste momento a gestão está surda
às manifestações da sociedade civil.
A
posição da gestão ao menosprezar a saída do movimento Aids das
comissões governamentais é uma forma clara de afirmar que desconsidera
esta parceria e que não existe possibilidade de articulação ou diálogo
para além da concordância com as decisões governamentais.
Certamente
o movimento Aids retomará o diálogo com o Governo Federal no momento em
que houver predisposição por parte do mesmo em construir ações
articuladas na construção das politicas e ações de enfrentamento à
epidemia de Aids respeitando os Direitos Humanos, os princípios do SUS e
a Constituição Brasileira.
Porto Alegre, 31 de julho de 2013